Para George Day e Paul Schoemaker, professores de Marketing da Wharton, as dificuldades que se abateram sobre a Ford, Coca-Cola e Pepsi, e que foram amplamente divulgadas, são exemplos claros da diferença entre uma liderança vigilante e outra operacional.
Para explicar essa distinção, Day e Schoemaker — tomando por base a pesquisa realizada por ambos e publicada recentemente no livro "Visão periférica: identificando sinais de debilidade que podem levantar uma empresa ou quebrá-la", os autores identificaram quatro traços específicos de liderança: foco externo, capacidade de formular conceitos, papel organizacional e perspectiva de tempo.
Os líderes vigilantes se orientam mais por fatores externos: estão abertos a novas idéias, buscam perspectivas diversificadas, estão atentos a uma ampla gama de fontes e cultivam amplas redes sociais e profissionais. Os líderes operacionais trabalham com um foco mais objetivo, têm menos interesse em opiniões externas e limitam suas redes de contato à esfera de conhecidos.
Do ponto de vista da capacidade de formulação de conceitos, ou da previsão estratégica, os líderes vigilantes são mais imaginativos e “investigam a fundo os efeitos de segunda ordem”, assinala Day, citando como exemplo um CEO que analisou a proposta vitoriosa da China para sediar as Olimpíadas de 2008 em Pequim. Mais do que depressa, o executivo passou a considerar o impacto desse evento sobre a demanda de aço e cimento. Os líderes vigilantes também abraçam a incerteza e aprendem com os erros decorrentes de boas intenções. Já os líderes operacionais são mais previsíveis, estão preocupados sobretudo com a tarefa que têm à mão, confiam na experiência passada e tentam evitar erros a qualquer custo.
Em seu papel organizacional, os líderes vigilantes são a um só tempo capacitadores e visionários que abrem brechas para que a empresa possa explorar áreas fora do seu foco de atenção; os líderes operacionais são mais controladores, preocupam-se com a eficiência, com a redução de custos, e não exploram o potencial externo. Por fim, a perspectiva de tempo do líder vigilante é mais prolongada, ao passo que o do líder operacional é mais imediato.
No caso da Ford, que, à época, anunciou a contratação de um ex-executivo da Boeing para o posto de CEO da empresa — em substituição a William Ford, que permaneceu na presidência do conselho —, a falta de uma liderança vigilante foi perceptível haja vista a demora da empresa em reduzir a ênfase na produção de utilitários esportivos, que consomem quantidades enormes de combustível, e de caminhonetes, passando a dar destaque maior à produção de novos modelos crossover, lançados primeiramente pela concorrente Toyota, diz Day.
“É compreensível o apego da Ford a caminhonetes e a utilitários esportivos. São veículos muito lucrativos e a Ford sabe fazê-los muito bem”, observa Day. Contudo, um líder vigilante procuraria minimizar suas apostas nesse segmento diante da escalada dos preços do petróleo, “que há tempos nos assombram. Embora a Ford possua um veículo do tipo crossover muito bom, a empresa chegou à festa tarde demais. A Toyota saiu na frente, em 1996, com o RAV4, seguida pela Honda. A Ford poderia ter começado muito mais cedo”. O crossover, um modelo baseado nos utilitários esportivos, é geralmente mais leve, mais silencioso e mais econômico do que os utilitários convencionais, mais pesados e mais próximos da caminhonete. Atualmente, os modelos crossover vendem mais do que os utilitários esportivos.
A alta gerência da Ford, diz Day, não teve a seu favor uma “liderança vigilante, capaz de antecipar eventos, prevendo antes dos demais o que está para acontecer. Ninguém duvida que a Toyota já está pensando hoje como será o carro de amanhã”.
Enzimas e jeans stone washed
Reportagens veiculadas pela imprensa apresentam com muita freqüência exemplos de casos em que a liderança operacional prevaleceu em situações em que a liderança vigilante era mais necessária, diz Schoemaker — diretor de pesquisa do Centro de Inovação Tecnológica Mack, da Wharton. Schoemaker faz referência à má administração da segurança do aeroporto de Heathrow, em Londres, em agosto deste ano (“A ameaça terrorista não era algo inesperado”, diz); bem como o erro de cálculo dos líderes israelenses no que diz respeito à força do Hisbolá no Líbano.
Quando Bill Gates navegava pelo site do Google anos atrás, observou que a empresa veiculava anúncios classificados para engenheiros de software que não condiziam com o modelo de negócios do Google, diz Schoemaker. Gates, diz o pesquisador, entendeu que se tratava de um sinal precoce de que a empresa estava se deslocando para uma nova área. Ele advertiu imediatamente os companheiros para o fato. (Como se viu, ninguém deu bola e o Google tornou-se a empresa número um em pesquisa de desktop).
Os líderes operacionais — que se ocupam das tarefas que têm à mão, são excelentes empreendedores e perseguem objetivos claramente definidos — podem ter tido sua utilidade várias décadas atrás, assinala Schoemaker. “Contudo, à medida que a sociedade se torna mais complexa e as questões transculturais tornam-se mais entrelaçadas, é imprescindível à liderança uma visão de contexto.”
Basta ver o fiasco da Coca e da Pepsi na Índia.
Ignorando os sinais
Quando o Centro de Ciência e Ambiente da Índia anunciou, que os produtos carbonatados da Coca e da Pepsi continham mais de 24 vezes os limites de pesticidas considerados seguros, “ambas as empresas, de porte global, viram-se diante de uma crise iminente em um mercado emergente crucial — 1,6 bilhão de dólares ao ano no segmento de refrigerantes, sendo que a participação de mercado da Coca é de 60%”, diz Schoemaker citando números de um artigo de 23 de agosto publicado pelo New York Times intitulado “Crise em um mercado crucial para duas potências do segmento de refrigerantes.” “Se você fosse o líder responsável”, indaga, “como reagiria, considerando-se os vários outros problemas operacionais e estratégicos” que exigem atenção?
A liderança tradicional, observa, “exige um estudo rápido do problema: há, de fato, um problema aqui? Se há, é muito grave? Podemos solucioná-lo depressa e de forma eficiente? Podemos fazê-lo sozinhos ou será que precisamos de ajuda?” Sob vários aspectos, a Coca e a Pepsi seguiram as diretrizes convencionais de gestão de crise, conforme relata o artigo do New York Times: foram organizadas forças-tarefa nos EUA e na Índia para tratarem de questões técnicas, jurídicas e de relações públicas; além disso, foram pedidos testes de laboratório e ambas as empresas optaram por não fazer nenhum comentário público sobre a questão até que os resultados estivessem prontos.
“Contudo, essa atenção excessiva à parte operacional foi a pior estratégia possível”, observa Schoemaker. As empresas ficaram enredadas em questões técnicas, reagiram defensivamente às acusações e disseram estar de acordo com os padrões internacionais de segurança, o que era difícil de comprovar, de acordo com a história publicada pelo jornal. “No processo de resolução do problema, as empresas perderam de vista o perigo verdadeiro: minar a confiança do consumidor [...] em um mercado emergente crítico”, diz Schoemaker.
Já a liderança vigilante trata da questão mais próxima, bem como do contexto político e cultural mais amplo que a envolve, acrescenta. “O líder vigilante teria se preocupado com os seguintes sinais: o produto (refrigerante) teve sua comercialização impedida ou parcialmente impedida em vários estados indianos. Para alguns líderes políticos [...] tratava-se de uma oportunidade de explorar os sentimentos anti-ocidentais — alimentados, sem dúvida alguma pelas guerras no Iraque e no Líbano. Os grupos ambientalistas tomaram partido na questão para promover sua causa contrária ao uso de pesticidas.”
Além disso, havia também questões culturais. No passado, segundo o artigo do New York Times, os problemas da Índia ficavam circunscritos a uma cidade ou a uma província, mas hoje a mídia pode suscitar rapidamente uma questão local e transformá-la em obsessão nacional. Além disso, o silêncio, na Índia, é geralmente interpretado como sinal de culpa. “O modelo ocidental que segue a fórmula ‘sem comentários’ até que os dados estejam disponíveis ou que as questões legais estejam bem amparadas, não é comum na Índia”, diz Schoemaker.
Day e Schoemaker citam ainda outros exemplos, alguns deles extraídos de Visão periférica, em que o líder erra ao não reconhecer os sinais de um mercado ou uma cultura em mutação. A liderança da Mattel, por exemplo, preocupada em se recuperar da aquisição “desastrosa” da fabricante de softwares educativos The Learning Company, não percebeu as mudanças por que passava o mercado externo; dentre elas, a decisão do consumidor jovem de preterir as bonecas Barbie em favor das bonecas Bratz, mais sofisticadas e multiculturais.
Os autores citam também outro exemplo: a indústria da iluminação. Empresas como a Philips Lighting, GE e Osram Sylvania julgaram mal a popularidade dos LEDs (diodos emissores de luz, na sigla em inglês), os quais, em decorrência dos avanços tecnológicos, deverão transformar um mercado de iluminação de 15 bilhões de dólares, assinalam Day e Schoemaker. Prova disso é que as regulamentações federais americanas exigem que todos os sinais de tráfego sejam convertidos em LEDs até o final do ano. A indústria não se deu conta da ascensão dos LEDs, dizem Day e Schoemaker, porque estava preocupada com a queda no preço médio de venda das lâmpadas de iluminação tradicionais e com o encolhimento do mercado de lâmpadas de 2,9 bilhões de dólares, em 2000, para 2,4 bilhões, em 2003.
Mania de fazer perguntas
De acordo com Day, o líder vigilante “vê possibilidades em quase tudo. Observe-se o caso das pessoas envolvidas nas redes sociais, fruto da convergência da tecnologia com a necessidade que as pessoas têm de se comunicar”. O líder realmente vigilante, acrescenta, “é extremamente necessário em mercados muito voláteis, complexos e sujeitos a mudanças rápidas, como são os casos dos segmentos de entretenimento, mídia e telecomunicações — todos eles vinculados a indústrias convergentes”. Não é de espantar, portanto, que “ao indagarmos aos gerentes de investimentos, principalmente dos fundos de hedge, qual a orientação que seguiam na hora de investir em uma determinada empresa, sua resposta foi que evitavam líderes que agiam como gerentes operacionais, dando preferência a líderes capazes de identificar uma situação de valor significativo, porém não aproveitado, dedicando-se a ela”.
Um desafio especial para os líderes consiste em fazer perguntas e, em uma esfera mais ampla, criar empresas que sejam curiosas tanto em relação ao ambiente interno quanto externo, observam Day e Schoemaker. Isto levanta questões que vão além da liderança pura e simples, acrescenta Schoemaker, “tais como o tipo de processamento estratégico utilizado; ou em que medida as informações são compartilhadas por toda a empresa; de que modo o conhecimento é monitorado e gerido; se há uma cultura profunda de debate e inquirição. O líder tem o hábito de fazer perguntas — ‘O que aconteceu no mês passado que foge à regra? O que o surpreendeu? O que deixou você intrigado?’ —, o que pode levar a resultados inesperados, como o descobrimento do antidepressivo da Organon”.
O líder vigilante, acrescenta, “busca sinais que não se encaixam na definição atual do problema e da estratégia empregada. Ele cria um espaço mental e organizacional com o intuito de descobrir o que não pode ser encontrado na área em foco [...] Em uma experiência clássica, as pessoas não perceberam a presença de um gorila na quadra de basquete porque haviam sido instruídas a contar quantas vezes a bola era passada. A simples tarefa de contar saltos e passes restringiu de tal forma a visão daquelas pessoas que elas simplesmente não viram o gorila na quadra. Foi isso o que aconteceu à Coca e à Pepsi. Elas não viram o gorila em meio aos problemas técnicos, legais e de relações públicas associadas à acusação do uso de pesticidas”.
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