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Lya Luft dispensa apresentação. Não perco
oportunidade de reproduzir seus artigos publicados na revista Veja
principalmente quando guardam correlação com os temas que abordo na Oficina de
Gerência.
Este, abaixo, é um deles. A grande escritora e
colunista tem o dom de escrever as coisas que pensamos e não temos uma coluna
para expressar.
O tema do artigo que transcrevo é universal. Trata
das pressões e patrulhamentos que sofremos para "acompanhar a onda do
politicamente correto".
Luft coloca as coisas de modo verdadeiro, corajoso
(não poderia ser diferente sendo quem é) e de fácil compreensão. Separei o
trechinho abaixo para dar uma idéia do conjunto que está no artigo.
- [...] "Se sou de uma cor de pele ou outra, mais agitado ou sossegado, gordo ou magro, ativo ou reservado, por que eu teria de mudar quando surge algum esperto querendo dar ordens?" [...]
Se transportarmos o tema para o campo das relações
corporativas não mudam as posições. Estamos (quase) sempre nos
"escondendo" atrás dos biombos da afinidade, da conformidade, da
homogeneidade e uniformidade, da paciência e resignação. É verdade ou não é?
Pensem em quantas vezes durante uma jornada de trabalho não conseguimos ser
quem somos.
É um texto que nos enriquece, nos leva à reflexão e
eu o recomendo aos amigos leitores.
Tanto tenho lido e escutado sobre diferenças, preconceitos, o
politicamente correto (detestável na minha opinião, hipócrita e gerador
de mais preconceito), que começo a pensar se não devíamos nos livrar das
exigências, receitas, códigos, ordens, enquadramentos rigorosos e por
vezes cruéis desta nossa cultura atual.
Cultura que propaga liberdade, mas nos veste camisas de força umas
sobre as outras, lá vamos nós carregando esse ônus, e achando que somos
livres – mas nem sabemos o que queremos.
Não é fácil descobrir quem a gente é: primeiro, estamos sempre
mudando. Na essência somos alguém, mas algumas camadas legítimas da
nossa alma (psiquê, mente, não me importa) vão se transformando, para
melhor ou pior (quem sabe o que é isso?) com o passar do tempo e as
circunstâncias.
E as escolhas nossas, claro. Conseguimos ser mais abertos ou nos
fechamos mais; ficamos mais lúcidos ou mais alienados; enfrentamos o
mundo de peito mais ou menos aberto ou nos anestesiamos com drogas,
bebida, remédios; queremos verdadeiros afetos ou deliramos num sexo sem
ternura nem parceria; enfim, escolhas ou destino, e alguma coisa muda.
Porém dentro do que de verdade somos, ainda que não sabendo muito
bem, poderíamos ser fiéis a nós mesmos. Mas as pressões externas se
tornam internas, o diabinho do espírito de manada sopra em nosso ouvido,
é isso aí, vai ser da turma, vai fazer isso e aquilo, e ser assim ou
assado, e se vestir (ou despir) conforme a moda, e tudo vale o
sacrifício.
Porque se botamos a cabeça fora da manada, saindo um pouco que seja
do rebanho, aparece alguém pra cortar cabeça, braço ou pernas que
ficaram fora do quadro.
Como? Você não foi àquele vernissage, não visitou aquela cidade não
viu aquele filme, não frequenta aquela academia, não transa tantas
vezes, e daqueles jeitos que hoje são os melhores, não tem aquele
vibrador, ou vibrador nenhum, que coisa mais sem graça! Você tem só
vinte amigos em uma rede social? Eu tenho mais de mil, em outras muito
mais, nunca estou sozinho, tenho um milhão de amigos.
E nos sentimos de fora, nos sentimos pobres, sem jeito, esquisitos
até para nós mesmos. Mas, porque motivo, se nos sentimos bem com
essas limitações, com nossa pobreza nas redes sociais, se não conhecemos
bem Paris, não frequentamos academia, ou não aquela mais chique, não
estamos dentro dos padrões, estaríamos errados? Nem aceitamos
policiamento da linguagem, imaginem!
Ainda uso a palavra “negro” por exemplo, porque quando começava,
burramente, a pensar em “afrodescendente”, me achando ridícula – porque
tenho negros muito próximos, e árabes, e para mim são todos apenas
pessoas -, me dei conta de que existe uma banda excelente chamada Raça
Negra, que os negros batalham pela valorização da negritude que as
cotas nas universidades vão para “negros autodeclarados”.
Isso faz o politicamente correto parecer incorreto. Se sou de uma cor
de pele ou outra, mais agitado ou sossegado, gordo ou magro, ativo ou
reservado, por que eu teria de mudar quando surge algum esperto querendo
dar ordens? Tem gente que se sente à vontade sendo mais fechado, mais
tímido, poucos amigos, mas verdadeiros, e aí fica inquieto porque teria
de ter cem, ou mil.
Quero deixar claro aqui que nada tenho contra redes sociais, uso
alguma vez o Facebook ou outro, mas nem precisei de mil amigos, nem
critico quem os tem. Pois sou mais para reservada do que social, coisa
minha.
O que me interessa é que a gente tenha consciência de que não são os
duzentos ou mil aqueles a quem posso telefonar no meio da noite dizendo
“estou mal” e virão correndo me ajudar. O que quero dizer é que é bom,
bonito, natural, ser natural: com olhos azuis ou chineses, perfil árabe
ou cabelo crespo. É bom, bonito, ser tímido ou extrovertido (desde que
educado nos dois casos), até mesmo ser meio esquisito, fechado,
contemplativo.
Tudo é positivo se é natural, exceto grosseria, cinismo, hostilidade.
E a gente sempre pode melhorar, desde que não seja apenas para ser como
os outros querem – e que não seja “do mal”. Aí é chato demais.
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