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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Intimidade... O que você faz com a sua?

"Como sustentar que a polícia não pode ouvir minhas conversas telefônicas se divulgo detalhadamente todos os meus pecados, fotografados ou filmados, no Orkut?"

Esta frase, na verdade uma provocação, é a essencia do texto que está nesse post. Não costumo colocar os artigos da terceira folha do 1º caderno da Folha de São Paulo (Tendências e Debates). Normalmente são textos longos e muito academicos ou tendenciosos (no bom sentido) para propiciar o debate entre os leitores do jornal.
No caso presente não resisti. O tema é incontornável por todos os que vivem nos tempos presentes convivendo com orkuts, facebooks, blogs, msn e big brothers. A grande questão é: Temos intimidade? 
Claro que é meramente uma pergunta retórica. Provocativa. Entretanto vale a pena pensar nela. Temos intimidade? Estamos preservados em nossos hábitos e pensamentos mais pessoais? No geral - respeitadas as minhas limitações como pensador - direi que sim. Pelo menos na minha geração. Entre os mais jovens... Não sei.
Hoje em dia é fato comum vermos cenas intimas serem "jogadas" na internet pelos proprios personagens (sem falar nas ações criminosas). Dados pessoais circulam livremente entre os hackers que roubam senhas com a maior facilidade em sites, blogs e e-mails. Informações privadas são colocadas em páginas e mais páginas nas redes sociais...
É sobre isso que o artigo do advogado Roberto Garcia se desenvolve. Achei que valia a pena suscitar essa questão aqui no blog. Afinal de contas vivemos na aldeia global e mesmo tratando de questões corporativas como foco a Oficina é um blog de diversidades também e nada mais atual do que debater o direito à intimidade nesses tempos de redes sociais.






Respeito à própria intimidade

ROBERTO SOARES GARCIA

O abuso do direito à imagem escancarada pode suprimir o direito à privacidade, abrindo espaço para uma ditadura do monitoramento ilimitado

A falta de recato com a própria intimidade, revelada sem pejo em algumas páginas da internet, nas telas do "Big Brother" e nas traseiras de automóveis, onde se veem grudadas figurinhas representativas da composição da família proprietária, constitui, em um primeiro olhar, exercício de direito à autoexposição.
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Pondero, para a reflexão do leitor, que o abuso desse direito à imagem escancarada poderá levar à supressão do direito fundamental à privacidade, abrindo espaço para a ditadura do monitoramento oficial ilimitado. A perda de espaço destinado à intimidade, como se lembram os que leram "1984", é característica de regimes autoritários.

Sociedades democráticas prezam os direitos de minorias, em especial o direito da menor minoria possível, que é o indivíduo.

Não foi por acaso que, pós-ditadura, a Constituição destinou seu dispositivo mais extenso à tutela de direitos individuais: o artigo 5º tem 78 incisos e diz, ao fim, que o rol não é exaustivo, o que confere a todos nós proteção contra o Estado, que não pode atentar contra a intimidade do cidadão, bisbilhotando, sem autorização judicial, sua movimentação bancária ou suas comunicações telefônicas; se o fizer, o indivíduo pode recorrer ao Judiciário para resguardar seus direitos.

É, contudo, no exagerado exercício individual do direito de abrir mão da privacidade que mora o problema. Se considero normal informar ao estranho que vai à traseira do meu carro que somos cinco em casa, como poderei exigir da loja da esquina a manutenção em segredo do cadastro que lá preenchi?

Por que o fiscal do Imposto de Renda deveria se privar de vasculhar minha conta corrente se tuíto a todos os que me "seguem" o quanto gastei no final de ano em determinado shopping?

Como sustentar que a polícia não pode ouvir minhas conversas telefônicas se divulgo detalhadamente todos os meus pecados, fotografados ou filmados, no Orkut?

Em resumo: se não velo pelo que me é próprio, pela minha intimidade, por que o Estado estaria obrigado a velar? A resposta, por ora, está na vigência da lei, que me autoriza a divulgar meus segredos e veda ao Estado acesso indiscriminado à minha intimidade.

Mas a legitimidade da lei está no eco que seus comandos encontram na sociedade. Se a norma visa proteger o que o indivíduo não se importa mais em perder, a vida da tutela ao direito será curta. Ao abrir reiteradamente mão do resguardo da intimidade como vetor de vida, o cidadão, sem perceber, leva a sociedade para um modelo autoritário, em que o indivíduo e a privacidade não importam.

Já que, por definição, se descartam intervenções que substituam o próprio cidadão nas decisões sobre sua intimidade, a solução está no alerta para que, em nossas condutas, cada um preze um pouco mais por sua privacidade. Esse cuidado responsável e voluntário não trará prejuízo. Já o descuido poderá ser fatal até para a democracia!

ROBERTO SOARES GARCIA é advogado criminal e professor do curso de pós-graduação da GVLaw. Foi diretor vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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