Medicina e outras carreiras da saúde
A turma de branco está com tudo
Os brasileiros passaram a viver mais e a necessitar
por mais tempo de médicos, enfermeiros,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas
e outros profissionais do setor de saúde
O número de médicos em atividade no Brasil é duas vezes o que a Organização Mundial de Saúde recomenda. Pelos critérios internacionais, o país também tem o triplo de farmácias de que precisa. Uma análise superficial desses dados poderia levar à conclusão de que o setor de saúde está próximo da saturação. Ocorre justamente o contrário. A demanda por profissionais das carreiras nessa área continua crescendo. A medicina aparece como o curso que recebe o maior número de candidatos nos vestibulares das universidades públicas. A demanda por vagas em escolas de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição está em expansão. Na raiz desse fenômeno se encontra o aumento da expectativa média de vida dos brasileiros, que, em duas décadas, passou de 67 para 72,6 anos. Com a velhice mais longa, a população precisa de hospitais, clínicas, laboratórios e seus profissionais por mais tempo. A saúde já emprega 10% da população e movimenta 160 bilhões de reais por ano no país, ou 8% de toda a riqueza nacional. A proporção é semelhante à de países como a Inglaterra e tende a crescer.
Duas grandes mudanças deram fôlego ao setor. Lançados no país em 1964, os planos e seguros de saúde multiplicaram-se a partir dos anos 80. Hoje, têm 41 milhões de clientes, ou mais de um quarto da população. Por ano, seus administradores movimentam 51 bilhões de reais, dos quais 41 bilhões são repassados a médicos, clínicas, hospitais e laboratórios. Os médicos recebem, em média, 26 reais por consulta feita a um cliente de plano de saúde, de acordo com a Agência Nacional de Saúde Suplementar. Embora o valor unitário das consultas seja baixo, os planos e seguros abriram um novo mercado para os profissionais. Em 1988, o setor público deu a contribuição que faltava, ao criar o Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, o governo tornou-se o maior empregador da saúde. Hoje, 70% dos médicos atuam em hospitais públicos. Juntos, os setores público e privado lhes garantem salários mensais médios de 7 000 reais, que colocam a medicina em terceiro lugar no ranking de profissões mais bem pagas do país. "Ela é vista como nobre e está entre as mais bem remuneradas", diz o presidente da Federação Nacional de Saúde Suplementar, Geraldo Rocha Mello.
A combinação de mercado em expansão com bons salários motivou uma corrida pela profissão. Em trinta anos, o número de faculdades que oferecem cursos de medicina passou de 77 para 178. Apenas a Índia tem mais instituições desse tipo: 299. A explosão dos cursos de graduação não foi acompanhada por um movimento similar nas vagas para residência, as especializações que os médicos fazem depois de se formar. Só há vagas para 40% dos que concluem a graduação. As mais concorridas estão vinculadas ao progresso tecnológico, como a medicina diagnóstica. As que lidam com estética, como dermatologia, endocrinologia e cirurgia plástica, também figuram entre as mais procuradas. Em baixa, estão áreas clássicas, como clínica geral e pediatria, nas quais a remuneração é menor. Até pouco tempo atrás considerada promissora, a cirurgia cardíaca sofreu um baque, porque os tratamentos preventivos e menos invasivos reduziram o número de pessoas que precisam revascularizar o coração.
Casos como esses, porém, estão longe de ser um indicativo de que as oportunidades de trabalho estejam encolhendo. Em medicina, não importa a área, há emprego mesmo nos grandes centros, que estão abarrotados de profissionais. E o horizonte é vastíssimo para quem opta por morar no interior e em cidades de grandes regiões metropolitanas. Se no estado do Rio de Janeiro a proporção de médicos de Niterói é três vezes a da Suíça, a 40 quilômetros dali, a população de Belford Roxo é tão carente desses profissionais quanto a de países africanos. Para os 128 000 farmacêuticos, e para os que pretendem ingressar na profissão, o campo de trabalho é amplo. Além das 54 000 drogarias existentes no Brasil – cada uma precisa ter um especialista responsável –, há empresas privadas, como laboratórios, que oferecem 50 000 vagas. Faltam enfermeiros, e as perspectivas também são positivas para nutricionistas, fisioterapeutas e fonoaudiólogos. A exceção à regra são os dentistas. Seu mercado, saturado, só teve um pequeno crescimento nos últimos anos porque o Ministério da Saúde passou a recrutar recém-formados para tocar seu programa de saúde bucal, o Brasil Sorridente.
Ainda sobram empregos, mas os melhores postos estão reservados à minoria que continua estudando e fazendo cursos de atualização depois de se formar. Uma pesquisa da Universidade Esta-dual Paulista revela que 72% dos médicos abdicam dos estudos depois que se formam. O motivo que a maioria deles alega para desistir do aprimoramento e mesmo de ler as publicações de sua área são as jornadas de trabalho, que se estendem por mais de cinquenta horas semanais. Essa rotina extenuante combinada com a proximidade do sofrimento e o acesso fácil a drogas constitui um enorme risco para médicos, enfermeiros e farmacêuticos. Estudos revelam que, no mundo inteiro, eles integram as categorias com a maior incidência de alcoolismo e abuso de drogas. O psiquiatra Luiz Antonio Martins, da Universidade Federal de São Paulo, estima que 12% dos médicos brasileiros sofram de transtornos psicológicos ou psiquiátricos. "A pressão faz com que muitos deles esqueçam como é gratificante aliviar o sofrimento alheio e quanto a sociedade lhes é grata por isso", diz Martins. Quem não esquece e persevera não se arrepende do caminho escolhido e salva a própria vida.
"Meu inimigo é o câncer"O oncologista Paulo Hoff enfrenta sessenta horas de trabalho semanais com fala mansa e sorriso aberto. Hoff é uma espécie de menino-prodígio da medicina. Aos 40 anos, divide-se entre dirigir o Instituto do Câncer de São Paulo e o centro de oncologia do Hospital Sírio-Libanês e lecionar na Universidade de São Paulo. Começou a carreira cedo. Aos 16 anos, entrou na Universidade de Brasília. Estudou um ano em Miami, onde, depois, fez residência. Chegou a subchefe de oncologia gastrointestinal do MD Anderson, centro texano que é referência mundial em câncer. Há três anos, voltou ao Brasil. Entre seus pacientes estão o vice-presidente José Alencar e a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Casado há dezessete anos, Hoff só tem uma queixa de sua rotina: deixa-lhe pouco tempo para suas três filhas. |
Ela precisava lidar com pessoas
A mineira Raquel Hatem, de 29 anos, estudou biologia antes de descobrir que havia escolhido o curso errado. A necessidade de lidar com gente a fez mudar para enfermagem. Hoje, chefia 85 pessoas que atendem 150 pacientes por dia no serviço de diálise do Hospital Felício Rocho, de Belo Horizonte. Também demorou para escolher sua área de atuação. No começo da carreira, dividiu-se entre um hospital e uma clínica nefrológica. Optou pelos pacientes com problemas renais quando percebeu que poderia acompanhar a evolução por mais tempo. |
Selmy Yassuda |
Mergulho em um mercado inexplorado
O farmacêutico Romulo Carvalho é um exemplo de sucesso meteórico. Aos 30 anos, coordena há cinco duas farmácias da Rede D’Or, um dos mais conceituados grupos hospitalares do Rio. Ele supervisiona 150 funcionários. Pós-graduado em farmácia hospitalar e clínica, Carvalho decidiu atuar na área de saúde na sua adolescência, quando fez um curso técnico de patologia. Bateu o martelo depois que descobriu que há uma demanda contínua por profissionais desse campo.
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