Quanto valem Cristiano Ronaldo e Kaká? Excessos do esporte em tempos de crise O Real Madrid voltou a sacudir o mercado de contratações. Nove anos depois da saída de Florentino Pérez da presidência da centenária agremiação do uniforme branco, o clube volta a bater recordes na contratação de estrelas: 94 milhões de euros pelo português Cristiano Ronaldo e 65 milhões pelo brasileiro Kaká. Do ponto de vista da imagem, seria ima política acertada em tempos de crise? O clube conseguirá recuperar o investimento feito? Antonio Martín, diretor do mestrado em administração esportiva da escola de negócios Instituto de Empresa (IE), e Francesc Pujol, membro do ESI (Economics, Sports and Intangibles Research Group, ou Grupo de Pesquisas em Economia, Esportes e Intangíveis), da Universidade de Navarra, que acaba de apresentar um relatório sobre o valor midiático do futebol na temporada de 2008/2009, respondem a essas e a outras perguntas. UK@W.: O esporte de modo geral, e o futebol em particular, é um negócio que movimenta milhões de euros inclusive em tempos de crise. Os contratos milionários do Real Madrid são financiados pela Caja Madrid e pelo Santander por meio de empréstimos de 153 milhões de euros. Será que esses dois jogadores valem tudo isso? Vocês acham que esse investimento dará o retorno esperado pelo clube? Antonio Martín: A verdade é que o preço de um jogador de futebol é determinado pelo mercado: tudo depende dos interesses dos dois clubes e do jogador. Tentar descobrir alguma racionalidade nesse preço é algo bastante relativo. Trata-se, sem dúvida, de cifras fabulosas. Vivemos hoje uma situação econômica bastante complexa, mas há também empresas sendo compradas e vendidas. Por outro lado, questionamos também os salários de outros agentes sociais, como empresários, artistas e políticos. Os clubes de futebol como o Real Madrid, Barcelona, Manchester United e o Chelsea são autênticas multinacionais do esporte. O orçamento dessas agremiações ultrapassa, de longe, os 300 milhões de euros e, em alguns casos, rondam os 400 milhões. Qualquer um deles estaria no topo do ranking das principais empresas de muitos países. Com contratos dessa envergadura, é claro que o valor do patrocínio aumenta. Isto permite ao Real Madrid renegociar os contratos com seus patrocinadores. Quando se trata de jogadores cuja cobertura dada pela mídia vai além de um país ou continente, porque são esportistas de estatura internacional, a marca Real Madrid ganha um impulso enorme, maior do que já tem, o que abre ao clube outras possibilidades de patrocínio. Com patrocínio de âmbito nacional — cerveja Mahou — e de âmbito mundial — Audi —, talvez essas contratações lhe permitam melhorar o contrato com a marca mundial, bem como buscar patrocinadores locais em outros países que poderiam ser concorrentes, mas que em outro continente não são. O Real Madrid, por exemplo, poderia negociar um patrocínio com uma cerveja japonesa ou da América Latina. Isso é possível porque seu posicionamento se fortaleceu nitidamente no mundo todo. Contudo, há outros meios como, por exemplo, os direitos audiovisuais. O Real Madrid os vendeu à produtora Mediapro por um preço fechado e fixo, mas quando o clube organiza uma turnê, uma partida amistosa ou algum evento fora do comum, como se trata de uma marca com posicionamento destacado no plano internacional, os direitos audiovisuais da instituição aumentam de valor. Todas as atividades negociadas em nível local, como as visitas ao estádio, os serviços de restauração, a comercialização de merchandising, terão igualmente maior valor pelo fato de o clube ser muito mais conhecido atualmente. A melhora de posicionamento do Real Madrid no plano internacional abre também novos horizontes para o clube no segmento de licenciamento. Além de camisetas, há uma infinidade de produtos que, para um clube desse nível, podem gerar receitas de 10 milhões de euros. Receitas que anteriormente giravam em torno de 5 a 7 milhões; agora, graças a esses contratos, há interesse também de outros países, outros mercados ou produtos, o que pode gerar receitas adicionais de 2 a 3 milhões. Com relação às turnês e às partidas amistosas, se antes quando jogava nos EUA ou na China o clube tinha propostas de 1,5 ou 2 milhões de euros, hoje ele pode pedir mais. Se em cada partida de uma pré-temporada for possível aumentar de 20% a 30% o que era oferecido anteriormente, em um período de quatro ou cinco anos o valor total recebido será bastante significativo. Além disso, há outros segmentos do clube que também são bastante beneficiados. Por exemplo, o canal de TV do Real Madrid pode comercializar programas sobre atividades ou atualidades relativas ao clube que antes não interessavam tanto, mas agora, com esses novos jogadores, muitos canais vão querer exibir suas entrevistas. As receitas não virão apenas da venda das camisetas, como muita gente pensa. A grande pergunta é a seguinte:quanto tempo vai demorar para o Real Madrid recuperar o investimento feito? Não devemos nos esquecer de que estamos falando de atletas, portanto tudo depende do seu desempenho, dos resultados obtidos e da paciência com suas lesões. Há uma série de fatores econômicos que podem nos levar à conclusão de que, na melhor das hipóteses, o clube vai recuperar em 5 ou 6 anos o investimento feito, mas não devemos nos esquecer de que estamos falando de pessoas e de jogadores. Francesc Pujol: A análise que fazemos nos obriga a encarar essas contratações como um investimento. Foi assim que raciocinaram o Real Madrid e os bancos. Como investimento, há um cálculo de rentabilidade futura associada à incerteza e, como todo investimento, é uma operação sujeita a riscos. Em primeiro lugar, é preciso saber se o ativo em questão foi adquirido a preço razoável, de modo que se possa recuperá-lo. O preço pago foi alto demais? Com base em nossa análise, fundamentada no valor midiático, é possível estabelecer o preço de mercado de Cristiano Ronaldo em 82 milhões de euros e considerá-lo correto, enquanto o preço de Kaká será de 63 milhões de euros. Nossa interpretação desses dados (baseada em análises econométricas do movimento do mercado nas três últimas temporadas em relação a mais de 300 contratações) é que o mercado, em geral, não erra. E se o mercado não erra, no sentido de que os valores são estabelecidos de maneira que saiam satisfeitos comprador e vendedor, isto significa que o clube deverá recuperar o investimento feito nos cinco anos previstos para os valores acertados. Chegamos à conclusão de que a contratação de Kaká não se deu com base em um valor excessivo, porque o investimento feito será recuperado. A contratação de Ronaldo foi justa, já que o clube pagou por ele 94 milhões de euros mais comissões — não ficou claro se estão incluídas ou não —, ao passo que pelos nossos cálculos seu valor seria de 82 milhões. Isto significa que eles mesmos estão esperando um cenário futuro otimista. A curto prazo, é óbvio que as receitas crescerão em razão da contratação de estrelas desse porte. Trata-se, porém, de um investimento que deverá dar retorno em 5 anos. O valor midiático atual de Ronaldo e de Kaká é dos mais elevados, o que gera receita, mas para recuperar o investimento a longo prazo será preciso esperar que o valor midiático seja suficientemente elevado daqui a 2, 3 ou 5 anos. Como pagou mais do que o devido, o Real Madrid espera que “o valor midiático desses jogadores continue elevado daqui a alguns anos. Queremos ganhar títulos, a Copa da Europa e assim recuperar o investimento feito”. Contudo, esse é um cenário bastante otimista, mas se tudo correr dentro da normalidade, pode ser que não consigam recuperar todo o investimento. Agora, se o cenário for ruim, o prejuízo será substancial. UK@W.: As contratações coincidem com a volta de Florentino Pérez à presidência do Real Madrid depois de nove anos de ausência. Todavia, o contexto econômico atual é muito diferente. Nesses tempos em que são tão severas as críticas aos salários dos diretores, vocês acham que uma remuneração desse porte poderia prejudicar a imagem do Real Madrid ou de qualquer outra equipe que cometa excessos desse tipo? A.M.: Por um lado, os fãs e sócios lembram de Florentino Pérez mais pelo lado positivo do que negativo (o clube ganhou vários títulos entre 2001 e 2003, mas até 2006, ano em que se demitiu, o clube não ganhou título algum). Contratações como essas motivam o sócio, principalmente depois dos resultados da última temporada (sem título algum) e de situações pontuais, como a derrota em casa para o Barcelona por 6 a 2. Com relação aos salários, os esportistas têm uma vida profissional bastante limitada. Por outro lado, quando falamos desses valores, é claro que são altos, mas há um entendimento na sociedade de que os esportistas e outros profissionais recebem salários bem acima da média habitual. Não creio que isso deva ser motivo de grande repulsa, porque se trata de pessoas apaixonadas pelo clube, que se orgulham dele etc. Talvez o problema (entre aspas) se restrinja às instituições financeiras, porque são elas as credoras do empréstimo feito. Não creio que o Real Madrid saia prejudicado. F.P.: Para quem não gosta de futebol, fica comprovado que nesse esporte há coisas que são desproporcionais, mas para o Real Madrid, esse pessoal, e a imprensa que faz esse tipo de cobertura, não importam muito, porque antes já não compravam camisetas e tampouco iam às partidas, e agora também não o farão. O que interessa para o clube é a percepção que seu público tem desse tipo de coisa e das marcas associadas a ele. Será preciso ver como se dará essa percepção a longo prazo porque, a curto prazo, há uma cobertura enorme dos meios de comunicação e dos analistas, o que faz aumentar, e muito, o impacto de elementos que nada têm a ver com o futebol. Contudo, a longo prazo, o que fica é o impacto que terão os resultados alcançados pelo Real Madrid, que dirão se a marca ganhará ou perderá prestígio. UK@W.: Além do futebol, de que depende a rentabilidade de um evento desportivo? De que maneira a crise afeta o esporte? Que mudanças veremos a curto e a médio prazo em consequência de uma conjuntura econômica adversa? A.M.: Há dois tipos principais de receitas. As oriundas diretamente do evento, por meio de patrocínio, venda de entradas, restauração do estádio ou complexos próprios, merchandising e direitos audiovisuais, ou seja, tudo aquilo que o evento é capaz de gerar. Há os indiretos, gerados pela promoção do evento. Quando se organiza um torneio de tênis ou de golfe, há vantagens para a cidade ou para o país, já que ambos recebem publicidade mundial. Trata-se, portanto, de atividades que são realizadas em conjunto com os patrocinadores. Em outras palavras, um patrocinador promove um evento porque é do seu interesse que as pessoas saibam de sua vinculação a ele. A Repsol, por exemplo, faz publicidade “gratuita” do mundial de Fórmula 1 de Montmeló, em Barcelona, por meio de anúncios veiculados de seis a oito meses antes da venda antecipada de ingressos. As empresas reduziram seu orçamento de marketing e de comunicação, e há nisso uma relação direta. As empresas ou instituições vinculadas ao mundo do esporte atravessam uma fase semelhante à do setor de consumo: retração significativa, orçamentos reduzidos, cortes generalizados. Creio que não haverá mudanças drásticas. Os clubes e as empresas que organizam os eventos vão ter de apertar o cinto. F.P.: O mundo do esporte como espetáculo é um setor de negócios muito parecido com o cinema, a música, isto é, ele está relacionado com aquilo que mostra. Isto se mede pela qualidade própria do produto que se oferece, porém o valor é medido em função do impacto midiático gerado. O valor pode ser muito alto, mas se não é aferido, não se pode transformá-lo em renda. Trata-se de um setor em que tudo é visibilidade e a visibilidade se dá por intermédio dos meios de comunicação. A capacidade de gerar receitas de um clube, de um tenista, de um evento esportivo está associada ao valor midiático que geram. Tais impactos, por sua vez, estão ligados aos sucessos esportivos, porém há eventos com impacto midiático maior do que outros, e esse grau de impacto é o que determina o valor da marca e sua visibilidade. Essa visibilidade, por sua vez, é o gera receita por meio de direitos de exibição na televisão e de contratos de patrocínio. A estrutura das receitas dos eventos esportivos está ligada à publicidade: diretamente, através de patrocínio; e indiretamente, através de direitos negociados com a televisão e financiados através de publicidade. Em tempos de crise, os direitos de publicidade ficam substancialmente reduzidos; portanto, embora o impacto da mídia relacionada aos eventos esportivos não diminua com a crise, cai a rentabilidade desse impacto midiático porque o bolo a ser repartido entre patrocínio e publicidade cai, já que as empresas não têm disponibilidade de caixa para gastar com imagem da marca em publicidade. Portanto, não observamos queda alguma no que se refere ao impacto midiático do esporte, mas como o bolo diminuiu, uma notícia gerada por um evento desportivo gera uma rentabilidade menor em tempos de crise do que em tempos de prosperidade. Os eventos esportivos cujos gastos sejam pouco flexíveis serão bastante afetados, já que não podem cortar gastos, uma vez que as receitas cairão 20% ou 30%. Há eventos que estão muito ligados aos prêmios a serem entregues ou aos bônus que são obrigados a pagar. Quem não conseguir cortar esse tipo de coisa vai sofrer, porque ou há músculo financeiro suficiente para suportar dois anos ruins ou as contas arrebentam. UK@W.: Do ponto de vista dos jogadores, de que maneira é repartido o bolo das receitas? Os atletas estão bem assessorados atualmente sobre onde e como investir sua renda milionária? A.M.: De modo geral, os atletas profissionais, de elite, tanto no futebol quanto na NBA, estão bem assessorados. Eles têm um representante que administra seus interesses ligados ao esporte. Há também vários outros assessores: advogados, para análise dos contratos; assessores fiscais, já que a questão fiscal é de enorme importância nesse tipo de contrato, bem como assessores de investimentos. Os clubes são os primeiros interessados em que seus atletas não tenham problemas na área fiscal. A última coisa que querem é escândalo. F.P.: Há uma estrutura consolidada cujo objetivo é gerar o maior volume possível de receitas, tanto no aspecto comercial quanto jurídico. Em outros termos, uma estrutura de apoio que permita maximizar as receitas geradas por cada jogador levando-se em conta seu impacto midiático. Há empresas no setor, como a Havas Sport, especializada em contratos de representação comercial de atletas famosos cuja preocupação é maximizar suas receitas e, ao mesmo tempo, cuidar para que as marcas com as quais se associam não desvalorizem a marca do jogador. Nesse sentido, há um grande desenvolvimento e profissionalização. Com relação ao que fazer com o dinheiro ganho, fica mais ao arbítrio do representante do jogador. Daí a necessidade de o atleta estar bem assessorado. UK@W.: Saindo do terreno esportivo, houve uma profissionalização muito grande dos gestores dos clubes? Em que segmentos é preciso se especializar ou se destacar para fazer parte de uma instituição desse tipo? A.M.: O esporte em si mesmo, ou um evento, isto é, o produto como tal, é efêmero. Uma temporada dura 9 meses e um evento alguns dias apenas. Portanto, é preciso contar com profissionais muito bem preparados e que estejam acostumados a tomar decisões rapidamente. É cada vez mais acentuada a falta de gente mais bem preparada e com um certo grau de especialização. A ideia que se tinha antigamente de um clube com um diretor que fazia de tudo foi substituída pelo conceito de um diretor geral e de gente que responde pela área fiscal, administrativa etc. |
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