Dicas para formar bons negociadores
. Uma pessoa precisa de cerca de 800 horas de treinamento para adquirir o hábito de negociar de forma espontânea. As técnicas de negociação são uma arte em si mesmas, e controlá-las pode ser uma ferramenta muito importante na hora de atingir as metas desejadas numa simples conversa ou reunião. O que dizem os gestos? Quando se deve dizer “não”? Quais os erros mais frequentes? Até onde se deve ceder? Javier Martinez Rodrigo, autor do livro "O caminho da negociação", publicado pela LearningMedia, responde a essas perguntas em entrevista concedida ao Universia Knowledge@Wharton.
Universia Knowledge@Wharton: A realização de um acordo comercial é fruto da reflexão ou do talento inato de um profissional da área capaz de improvisar?
Javier Martinez Rodrigo: No meu ponto de vista, e com base nos anos de experiência em coaching e formação de profissionais, tanto no âmbito comercial quanto administrativo, estou convencido de que “o negociador não só nasce negociador, como também se faz negociador”. É verdade que há pessoas que parecem ter nascido para isso e que o “talento inato” de um profissional capaz de improvisar, por exemplo, pode evitar situações de impasse ou de ruptura durante as negociações. Contudo, uma negociação inteligente, capaz de obter os melhores “resultados possíveis”, tendo em conta que tais resultados serão vantajosos para ambos os lados, é fruto da reflexão, da análise e da prática habitual de diversas técnicas e métodos que podem ser aprendidos e praticados. Não devemos nos esquecer de que uma negociação eficaz consiste em 10% de técnica e em 90% de atitude.
UK@W: Quais são as fases de uma negociação?
J.M.R.: O ponto de partida de uma negociação baseia-se no reconhecimento de ambas as partes de que necessitam uma da outra (nem sempre há negociação quando as duas partes se encontram pela primeira vez). Depois disso, é fundamental a credibilidade, já que os dois lados precisam ver um no outro “interlocutores válidos”.
Resumidamente, podemos dizer que há três fases em uma negociação: preparação, desenvolvimento e conclusão.
A fase de negociação, ou tudo aquilo que fazemos antes de chegarmos à mesa de negociação, se refletirá em nosso comportamento no momento de negociar. É preciso que fique claro que chegar à mesa de negociação mal preparado fará com que o profissional apenas reaja diante dos acontecimentos, sem condições de influenciá-los.
Portanto, uma vez definida a composição da equipe de negociação e suas funções (sendo imprescindível que se aponte o líder, que demarcará os limites da autoridade e do compromisso a ser selado), deve-se pesquisar e estruturar as informações necessárias para os preparativos da negociação (que consistirão tanto em informações próprias como em informações sobre a outra parte). Só então se deve planejar a negociação, definindo a estratégia e as táticas a serem empregadas.
Dentre as informações necessárias, vale ressaltar a fixação de objetivos e a satisfação de necessidades a serem obtidas pela negociação, possíveis riscos, a repercussão de cada uma das alternativas previstas (até mesmo a falta de acordo), definição das bases mínimas e máximas de negociação, os pontos de ruptura, local e agenda desejados etc.
Gostaria de chamar a atenção para dois erros muito comuns que costumamos cometer quando não temos consciência do ponto de ruptura ou o ignoramos: em primeiro lugar, deixar de fechar operações que estejam dentro dos limites aceitáveis pela empresa e, em segundo lugar, ceder mais do que seria aconselhável. Com esses dois exemplos, creio que posso traduzir a importância da fase de preparação.
A segunda fase é de desenvolvimento. É importante estar atento ao fato de que, hoje em dia, além da negociação pessoal, há também muitas negociações feitas por telefone. Tais aspectos, assim como o idioma, devem ser levados em conta na hora de escolher o líder entre os possíveis candidatos.
Esta segunda fase vai desde o momento em que nos sentamos à mesa para negociar até o momento das deliberações finais, com ou sem acordo. Nesta etapa, não é conveniente precipitar os acontecimentos. É preferível que as ideias amadureçam. De modo geral, eu diria que não deve haver falhas na hora de apresentar o posicionamento das partes. É preciso também muita coerência na hora de negociar as opções, procurando sempre uma estratégia vantajosa para os dois lados, o que não será, provavelmente, o melhor resultado, mas tão-somente um acordo razoável. Seja como for, nunca devemos reagir à pressão ou à ameaça da outra parte oferecendo concessões na esperança de apaziguá-la. Isso raramente funciona.
Por fim, não devemos negligenciar a pós-negociação ou o encerramento, fase que deve deixar em aberto, ou que permite, o surgimento de novas oportunidades de cooperação entre ambas as partes, o que pode não acontecer se não dermos a devida atenção a esse momento. Há diferentes tipos de fim de negociação: em que há renúncia ou escolha entre duas alternativas (a cargo da outra parte), com resumo, ultimato (somente encerrando agora poderemos manter as condições negociadas), com ameaça de ruptura ou uma negociação do tipo ou tudo ou nada.
UK@W: Qual a importância da linguagem não verbal? Que aspectos devem merecer maior cuidado (cruzar ou não os braços, as pernas, olhar nos olhos etc.)?
J.M.R.: A linguagem não-verbal é sem dúvida alguma muito importante na etapa de negociação. Não devemos nos esquecer de que mais de 80% da comunicação entre as partes se dá no plano não-verbal. Trata-se, portanto, de um detalhe a que se deve dar atenção e um preparo especial.
Os aspectos que requerem mais atenção são os que reforçam nossa tranquilidade interior. O que nos leva a ficar mais calmos durante uma negociação? Não deixar nada ao acaso, tratar exaustivamente do assunto em pauta, agir com sinceridade e objetividade, manter um comportamento desapaixonado e positivo desejoso de vencer mas querendo que outros também vençam conosco. Cada momento de uma negociação é fonte de autoconhecimento e de sabedoria. Essa tranquilidade interior fará com que manifestemos em nossa linguagem não-verbal tudo de positivo que trazemos dentro de nós. Não se pode controlar facilmente o que não se sente, e se tentamos fazê-lo em tais circunstâncias, nossa linguagem não-verbal será contraditória e fácil de perceber por um especialista. Esteja certo de uma coisa: teremos sempre diante de nós um especialista.
|
O contador diz: “Desculpe, Sr. e Sra. Binney. Como o seu contador, eu não estaria preparado para este tipo de negociação”. |
A linguagem não-verbal positiva se manifesta quando inclinamos o tronco para frente, quando sorrimos e nos movimentamos com firmeza, “lentamente”, sem tique nervoso algum, quando assentimos com a cabeça ao ouvir nosso interlocutor deixando claro para ele que o estamos escutando, entendendo e compreendendo.
UK@W: Algum conselho para encerrar uma negociação?
J.M.R.: Nunca permita que a outra parte saia da mesa de negociação duvidando de que lhe foi apresentada a melhor opção possível. Embora tal opção talvez não seja a que ele esperava, faça-o ver que o mais importante é que mesmo assim ele saia ganhando, e que vocês possam continuar a colaborar um com o outro no futuro. Sempre há uma próxima vez, e tudo o que semeamos vamos colher mais cedo ou mais tarde. Portanto, é recomendável elogiar a habilidade e o esforço da outra parte para que se chegue a um acordo.
UK@W: Que táticas de pressão podem ser usadas em uma negociação e quais os possíveis efeitos de cada uma delas?
J.M.R.: Há muitas táticas de pressão, e você pode se aprofundar nelas em nosso livro. Lembre-se, porém, de que elas só darão resultado a curto prazo, e podem se voltar rapidamente contra você. O tempo, a posição, a urgência, a chantagem mais ou menos suave, a ameaça, a ocultação da verdade ou a manipulação sempre serão detectadas. É melhor estabelecer uma relação sincera, humana e mutuamente vantajosa para obter sempre o maior benefício possível.
Portanto, jamais deixe transparecer a sensação empolgante de triunfo, porque tal comportamento pressupõe sempre a humilhação da outra parte, o que é sempre inaceitável. Se a outra parte não consegue enxergar tudo o que há de positivo nas possibilidades que lhe são oferecidas, faça-a ver com elegância. O melhor de qualquer negociação é que o sucesso da outra parte seja também o nosso.
Dito isto, seguem abaixo algumas táticas de pressão:
- Desgaste: é quando nos aferramos a uma posição sem fazer concessão alguma com o objetivo de exaurir a outra parte até que ela ceda. É também conhecida como tática da “Grande Muralha”.
- Ataque: ou intimidação, é a recusa a qualquer tentativa da outra parte de apaziguar os ânimos. O objetivo aqui é apavorar, e não ofender, nem humilhar.
- Recesso: atrasar a negociação para ganhar tempo, analisar o andamento das negociações e surpreender o adversário.
- Engano: tática para despistar ou atrair a outra parte e persuadi-la a ceder às nossas pretensões.
- Outras táticas: ultimato, exigências sempre maiores, pressionar recorrendo a uma autoridade superior, bancar o bom mocinho, incomodar a parte contrária escolhendo lugares que a façam se sentir inferiorizada (incluímos nessa tática a interrupção constante da reunião por telefonemas), usar o tempo em benefício próprio esticando as reuniões, por exemplo, para esgotar a outra parte, pechinchar nas mínimas coisas, alterar o ritmo das reuniões etc. Seja como for, conforme eu disse anteriormente, ao utilizar essas táticas, faça-o de forma que a outra parte não perceba, já que isso pode prejudicar sua relação com ela.
UK@W: Quais os elementos críticos de uma negociação que são mais negligenciados?
J.M.R.: Sinceridade, honestidade, humanidade e humildade. Todos queremos sair ganhando e com a sensação de que fomos mais fortes, mas muitas vezes também se ganha na fragilidade. É bom lembrar que as partes, muitas vezes, abandonam seu posicionamento inflexível quando detectam alguma fraqueza, o que constitui uma oportunidade de ouro para a parte supostamente fraca.
Outra coisa importante é saber escutar. As possibilidades aumentam substancialmente quando sabemos escutar e perguntar antes de falar de forma compulsiva e desnecessária. Finalmente, não perca tempo se perceber que é impossível conseguir um acordo satisfatório!
UK@W: Como negociar com outra parte mais forte ou que se nega a participar da negociação? Pode-se fazer alguma coisa?
J.M.R.: É preciso diferenciar os dois termos da pergunta. Quando não se deseja participar de uma negociação, esta deixa de existir. Nesse caso, o processo deverá ser precedido por outro de venda do bem ou serviço, de modo que a parte adversária compreenda quais necessidades poderão ser satisfeitas, contanto que para isso manifeste seu desejo de começar a negociar.
É comum, na compra de um apartamento, que o comprador pergunte o preço e o vendedor lhe diga sem antes ter se assegurado de que, realmente, é o apartamento que deseja, aquele de que gostou e que deseja adquirir. Só assim existirá a possibilidade de negociação. A pergunta que o vendedor deveria se fazer neste caso é a seguinte: por que informar o preço a alguém que não está disposto a comprar? Quando o vendedor informa o preço sem que a outra parte tenha deixado claro sua intenção de comprar, é muito comum ouvir como resposta “vou pensar”, ou então uma atitude de indiferença semelhante. Portanto, a negociação neste caso só começará quando a outra parte admitir que deseja comprar, e o melhor momento para isso é antes de informar o preço. Os negociadores inatos, assim como os ciganos, jamais informam o preço de alguma coisa até que a outra parte tenha manifestado, em diversas ocasiões, seu desejo de adquirir o bem em questão, bem como seus motivos para tanto. É então, só então, que estamos em boa posição para negociar (quando a outra parte manifestou seu desejo pelo bem).
Por outro lado, uma posição de vantagem, ou poder, na hora da negociação não nos dá o poder de contribuir com algo que a outra parte deseja. Se a outra parte está diante de nós, é porque deseja aquilo podemos lhe dar, ou necessita daquilo, assim como nós desejamos aquilo que ela tem. O sentimento de vantagem, ou poder, é subjetivo. Se analisarmos atentamente a situação, veremos que as forças [de ambos os lados] estão num patamar muito semelhante, e que nossa percepção se acha turvada por nossas fraquezas, nossos complexos, impressões, pela pressa e pelo medo do “não”. Se alguém tem o poder, e deseja algo, não negocia, simplesmente pega o que quer. Portanto, como a negociação é de igual para igual, sem complexos, se conseguirmos que a pressa esteja com o outro lado, obteremos uma boa posição de vantagem.
Publicado no site da Universia.Wharton em: 20/05/2009 |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Convido você, caro leitor, a se manifestar sobre os assuntos postados na Oficina de Gerência. Sua participação me incentiva e provoca. Obrigado.