Profissionais lidam com preconceito desde o começo da vida profissional
SÃO PAULO
Mulheres estão ganhando cada vez mais espaço em profissões antes dominadas por homens, como na área de tecnologia da informação, nos cargos de médicos neurocirurgiões e no setor automobilístico.
Apesar de avanços recentes, elas ainda enfrentam preconceito e relatam
que, muitas vezes, precisam mudar seus comportamentos para serem ouvidas e
valorizadas.
Jessica Machado, 27, desenvolvedora no Banco Inter, enfrentou machismo no ambiente de trabalho e conta que, às vezes, precisava falar alto para ser levada a sério.
Apesar de as mulheres terem mais diplomas universitários que os homens,
elas representavam apenas 37,5% dos cargos gerenciais em 2019, segundo
levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)
divulgado no ano passado.
Elas também ganhavam menos. Enquanto o rendimento médio mensal dos
homens era de R$ 2.555, o das mulheres era de R$ 1.985 —número 23% menor.
Conheça histórias de mulheres que ocupam profissões ainda
predominantemente exercidas por homens e que enfrentam preconceito no dia a dia.
- "Além das dificuldades com conteúdos na graduação, precisei lidar com a discriminação" Jessica Machado, 27, desenvolvedora no Banco Inter
''Quando eu comecei a faculdade, a minha intenção era trabalhar com gestão
de pessoas e projetos e todas as meninas queriam também porque é uma área mais
feminina. Mas, quando eu voltei de um intercâmbio, consegui uma oportunidade de
estágio como programadora em uma empresa de automação. E, assim, me descobri na
profissão, mas percebi que era uma área com pouca diversidade.
De todas as empresas que trabalhei, eu era uma das únicas mulheres. No meu
último emprego, apenas eu e mais uma.
Nessas situações, eu tinha a síndrome do impostor: achava que não sabia
fazer nada, que não iria receber uma promoção e que havia pessoas muito
melhores do que eu. Sentia medo de tentar alguma vaga porque achava que não
conseguiria.
A minha turma na faculdade de ciência da computação tinha,
no início, 40 alunos, sendo que só cinco eram mulheres e apenas duas se
formaram comigo. Uma delas desistiu porque realmente era uma pressão muito
grande.
Chegamos a ouvir coisas ruins vindo de professores, de pessoas que
participam da coordenação e até mesmo de colegas de turma: 'O que você está
fazendo aqui?' ou 'isso não é curso para mulher'.
Além das dificuldades com os conteúdos do curso de graduação, precisei
lidar com a discriminação.
Eu já fiz uma entrevista de emprego em que senti
esse preconceito. A empresa me passou uma prova com coisas que aprendemos no
começo da faculdade, como matemática lógica, mas nunca usamos no trabalho do
dia a dia.
Foi uma situação muito incômoda e percebi que, nessa empresa, havia
vários programadores, mas poucas mulheres.
Se eu falo de maneira mais enfática durante um projeto em que eu vejo
algo de errado, sempre tem um homem que me pede calma e diz que estou muito
nervosa. Teve uma situação que ouvi algo assim de um amigo. É algo tão cultural
que as pessoas fazem sem perceber.
Quando me falam isso, sinto como se estivesse gritando, mas só estou
tentando mostrar o meu ponto de vista. Se eu não levantar a voz um pouco
ninguém me escuta.''
Hoje eu estou numa empresa que tem várias mulheres em posição de poder. Inclusive, a minha própria chefe é uma das pessoas que sempre me bota para frente. Na empresa, temos uma irmandade, um grupo entre nós, dedicado às mulheres na busca de influenciar no desenvolvimento e melhoria no trabalho. E temos também um grupo interno no Banco Inter, ‘Mulheres na TI' [espaço para fortalecer a atuação das mulheres na área de tecnologia] e fazemos algumas palestras e encontros quinzenais pelo Microsoft Teams [plataforma de videoconferências].
Eu também participo do Minas da TI, esse foi o primeiro grupo que me fez sair da caixinha. A partir do momento que eu entrei, participei de palestras de diferentes empresas e tinha mulheres nesses lugares fazendo um trabalho excelente. Eu percebi que também posso chegar nesse mesmo nível. Só preciso me jogar e procurar alguma oportunidade.
- "Eu tinha que ir ao trabalho parecendo um ‘menininho’ para eles me verem como uma pessoa" Barbara Brier, 33, mecânica de automóveis, fundadora da Oficina Amiga da Mulher
''Após ser desligada de uma montadora de automóveis em 2016, eu comecei a
empreender e ensinar mecânica básica para as mulheres.
Para trabalhar no setor automotivo, infelizmente tive que me
masculinizar para ter respeito e autoridade. O homem não sabe ouvir uma mulher
doce e feminina. As mulheres que trabalham com muitos homens precisam ser bravas
porque eles só conseguem escutar se elas falam num tom mais alto.
A minha leitura do mercado é que não posso ser muito sensual porque o
homem perde o foco e começa a ficar só olhando a nossa boca. Então, às vezes,
eu tinha que ir ao trabalho parecendo um 'menininho' para eles me verem como
uma pessoa. Assim eu fui construindo confiança e comunicação com a minha
equipe.
Eu nunca fui muito sensual ou de ficar expondo meu corpo, pois sei como
funciona a cabeça de um homem que trabalha nesse setor. Precisei me adequar.
Uma estratégia que adotei é trazer o feminino para perto dos homens da
minha equipe quando eles quererem desabafar. Assim, com escuta e acolhimento,
consigo me encaixar e trazê-los para perto de mim.''
- "Eu chego no centro cirúrgico com meu marido e ninguém acha que eu sou a neurocirurgiã" Luana Bandeira, 32, médica neurocirurgiã
''Desde a época da faculdade ouvi que não era para me especializar em
neurocirurgia. Eram sempre opiniões desanimadoras. Não só por causa do
machismo, mas também por causa do tempo longo da modalidade de residência médica nessa área, de cinco
anos.
Quando comecei como neurocirurgiã, vi que é muito difícil para as
mulheres nessa área por dois fatores: os comentários dos colegas de trabalho e
às vezes dos próprios pacientes.
'A senhora opera a cabeça?' ou 'a senhora opera a coluna?', foram alguns dos questionamentos que recebi como se não fosse um tipo de serviço que pudesse ser realizado por uma mulher. E são, justamente, as áreas em que atuo atualmente. Eu opero tanto o crânio quanto a coluna.
Meu marido é neurocirurgião. Se eu chego com ele no centro cirúrgico, ninguém acha que eu sou neurocirurgiã também. As pessoas pensam que eu sou auxiliar ou instrumentadora.'' (...)
Quem tiver interesse em completar a leitura do artigo clique aqui para ser remetido ao link respectivo no site da Folha de S. Paulo.
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