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sábado, 16 de fevereiro de 2013

Falta de Engenheiros no Brasil? Muita fala, pouca ação!


O
 debate sobre a escassez de engenheiros no Brasil é antigo e recorrente. Costumo chamar esse movimento de "dinamismo verbal".
A propósito, sou engenheiro civil desde 1970 e sempre acompanhei de perto essa questão do mercado de trabalho para engenheiros. Julgo-me com conhecimento de causa para escrever e discutir sobre o tema. 
O que é assunto do momento - a falta de engenheiros de todas as especialidades no Brasil - é apenas o reflexo de anos e anos de absoluto descaso com a formação desses técnicos por aqueles que deveriam ser responsáveis por isso e não cuidaram de resolver o problema. 
E não são só os governos. As empresas de engenharia de construção principalmente as de grande porte; as corporações dos complexos industriais brasileiros (automobilístico, naval, mineral...); as grandes empresas de consultoria e projetos, enfim todas as organizações privadas que necessitam de engenheiros em seus quadros são réus nesse processo.

História Verídica
A partir de 1980 (ver quadro) períodos de crises econômicas atingiram o Brasil na esteira de uma recessão mundial que vai e volta até os tempos atuais. 
Na verdade foi a partir de 1980, Delfim Neto era o ministro da Fazenda, que a engenharia entrou em crise e começou a perder densidade no Brasil. Os negócios e os contratos começaram a minguar e o mercado não conseguiu absorver o número de engenheiros que era formado nas universidades brasileiras.
Com as restrições dos mercados de trabalho a profissão passou a ser desqualificada, desprestigiada, esquecida. As organizações além de não contratar passaram a explorar seus engenheiros. Salários abaixo do piso e aumento de carga horária eram constantes. Houve desemprego generalizado. Quem estava contratado, meu caso, aceitava todo tipo de pressões e demandas para não perder o emprego. Era um cenário de humilhação e afronta para os profissionais. Passei por isso tudo, mas na época era solteiro e acima de tudo adorava ser engenheiro. Trabalha no interior da Bahia e não tinha consciência da realidade.
Foi a partir desse período que a profissão de engenheiro passou  a ser esconjurada pelos jovens no tempo de escolher suas profissões. Antes disso a engenharia civil era a número um entre as carreiras escolhidas; direito era segundo lugar e depois vinham as outras.

Como era antes
Após o Curso Primário, os estudantes cursavam o Ginasial (três anos) e na sequência, nos três últimos anos escolhiam ou o Curso Científico - para quem fosse seguir as diversas carreiras da engenharia ou o Curso Clássico - para quem tivesse vocação para advocacia ou outras profissões fora da engenharia. Hoje seriam dois grupos chamados de exatas e humanas.
Registro isso para ressaltar a importância e o respeito que se dispensava aos cursos de engenharia e consequentemente aos engenheiros. Ninguém ficava desempregado.  Essa condição foi sendo perdida ao longo dos anos de desapreço pela profissão.
Leiam o que escreveu o ex-ministro Bresser-Pereira em seu artigo sobre a falta de engenheiros no Brasil (o link está abaixo):

[...] “Ora, se há uma profissão que é fundamental para o desenvolvimento, tanto no setor privado quanto no governo, é a engenharia. Nos setores que o mercado não tem capacidade de coordenar são necessários planos de investimento, e, em seguida, engenheiros que formulem os projetos de investimento e depois se encarreguem da gestão da execução.
Mas isto foi esquecido no Brasil. Nos anos neoliberais do capitalismo não havia necessidade de engenheiros. Contava-se que os investimentos acontecessem por obra e graça do mercado. Bastava privatizar tudo, e aguardar.
A crise da engenharia brasileira começou na grande crise financeira da dívida externa dos anos 1980. No início dos anos 1990, no governo Collor, o desmonte do setor de engenharia do Estado acelerou-se. Dizia-se então que estava havendo o desmonte de todo o governo federal, mas não foi bem assim.” [...]

Menosprezo
Como agravante a esse desapreço as empresas, com o beneplácito do Sistema CREA-CONFEA, aviltaram os salários dos engenheiros por muitos anos. Só no ano passado (2012), sob pressão da escassez de mão de obra o piso salarial dos engenheiros passou para pouco mais de cinco mil reais por seis horas trabalhadas (era algo em torno de três mil reais) e as empresas estão em disputa para contratar profissionais por essa remuneração. É a “vingança” dos engenheiros que tarda, mas não falha... 
Se desejar conhecer mais sobre o assunto recomendo como imprescindível a leitura dos artigos nos links abaixo:  
  1. “Censo mostra que faltam engenheiros no Brasil” publicado no site do CREA-RN  e,
  2. “Onde estão nossos engenheiros?” de autoria de Luiz Carlos Bresser Pereira para a Folha de São Paulo.  
  3. Brasil forma quase três vezes menos engenheiros do que países da OCDE” no site do SENGE-GO.

O mais estranho (para não dizer hilário) é que em todos os artigos que li sobre esse existe um ponto comum: o mantra “Faltam Engenheiros no Brasil”, mas em nenhum deles, pelo menos nos que pesquisei, se aborda a remuneração desses engenheiros tão valiosos.
Vivi minha vida profissional inteira no meio de engenheiros – seja como técnico ou executivo de governo – testemunhei o mais absoluto descaso e negligência das empresas privadas e públicas com as remunerações dos seus engenheiros. E nem vou falar de vantagens, reconhecimento de mérito, cursos de formação...
Ainda hoje é assim. Só os engenheiros mais antigos, do alto escalão tipo: diretores, supervisores, coordenadores, gerentes ou o nome que se lhes queira dar, são bem remunerados. Os engenheiros de campo, os operacionais, aqueles que tocam as obras e os projetos recebem migalhas em relação aos resultados e lucros das empresas. Prova disso é que as organizações que pagam bem e concedem benefícios não têm problemas de falta de engenheiros em seus quadros. É só pesquisar.

Dinamismo Verbal
http://www.guiadacarreira.com.br/wp-content/uploads/2012/01/procura-se-engenheiros.jpgComo disse no início o que estamos constatando é que a resolução desse problema real para o crescimento e desenvolvimento do Brasil ainda está longe de ser encontrada. No momento o que existe é um amplo, propagado e estridente “dinamismo verbal” de todos os organismos – públicos e privados - que têm o poder de desatar o nó e solucionar essa equação. Aquela história do “Fala muito, Fala muito...”
Fácil de resolver não é, nem de curto prazo, mas o primeiro passo no rumo do êxito é a valorização real e transparente dos engenheiros. Hoje isso não passa de uma quimera, uma ilusão de ótica, uma miragem no deserto. Comece-se por ai e parem já com essa ladainha de que “Oh! Faltam engenheiros no Brasil”. Falta mesmo! Então que se finalize essa fase de dinâmica verbal. Parem de repetir o mantra! Passe-se à ação! Todo mundo sabe exatamente o que deve ser feito.
http://www.old-picture.com/images/next.gifSei que o post ficou extenso, mas o assunto é quente. Se o leitor chegou até aqui e se não for pedir demais recomendo a leitura do artigo abaixo publicado na Folha de São Paulo. Quem ler vai ficar de queixo caído.

 

O verdadeiro gargalo de engenheiros 

* FERNANDO PAIXÃO E MARCELO KNOBEL

Entre as questões em debate em educação, destaca-se hoje a quantidade de profissionais em áreas de ciência e tecnologia. Muitos propõem formar mais engenheiros e mais professores de química e física criando vagas no ensino superior para essas carreiras.

Essas propostas são importantes, mas não levam em consideração limitações dos alunos. 
O que de fato limita a qualidade e o número de formandos nas áreas de ciências exatas e tecnológicas? Dados do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) apontam que a maior restrição está no número de jovens com habilidades mínimas em matemática.
Os resultados de avaliações internacionais tendem a repercutir entre nós apenas pela constatação de que estamos nas últimas colocações. Mas o Pisa vai muito além: fornece dados valiosos sobre o desempenho dos jovens de 15 anos. 
O exame de 2009 foi feito por aproximadamente 470 mil alunos de 15 anos pelo mundo. A amostra representa 26 milhões de alunos de 65 países. Cada exame avalia três áreas --leitura, matemática e ciências-- e estabelece seis níveis de competência. 
Para uma ideia do que significa um aluno estar em cada um desses níveis (ou abaixo de todos), veja no quadro abaixo exemplos de questões similares às aplicadas em matemática. 

Os dados mostram que 88,1% dos alunos não chegam ao nível 3 - não sabem, portanto, ler gráficos. Além disso, 96,1% não conseguem explicar o que ocorre numa troca de moeda se a taxa mudar. Mais do que impossibilitados de estudar economia, poderiam ser enganados com facilidade em qualquer outro país.
A distribuição limita o percentual dos nossos jovens em áreas que exijam competências mínimas em matemática, classificados do nível quatro para melhor. Só 3,8% dos participantes brasileiros do Pisa alcançaram esse desempenho. 
Considerando que a população de jovens com 15 anos no Brasil é de aproximadamente 3,2 milhões, teríamos, no máximo, cerca de 122 mil jovens aptos para às carreiras de exatas. Esse número ainda cai no final do ensino médio, porque evidentemente há estudantes com habilidades mínimas que optam por outras carreiras profissionais. 
Em 2011, o Ministério da Educação anunciou que dobraria as vagas de engenharia. Mas, em 2009, os 1.500 cursos existentes ofereciam 150 mil vagas ao ano, tinham 300 mil matriculados (embora as vagas permitissem até 750 mil, já que o curso dura cinco anos) e formaram 30 mil. 
Uma alta evasão, para a qual contribui o déficit de habilidade matemática que o Pisa evidencia. Com conhecimentos tão pequenos de matemática, não surpreende que os alunos tenham dificuldades já no ensino médio. Um exemplo: para acompanhar gráficos nas aulas de física. 
A Austrália tem 38,1% dos seus alunos no nível quatro ou superior na avaliação de matemática do Pisa; o Canadá, 43,3%; a Coreia do Sul, 51,8%. O Brasil tem 3,8%. Esses países têm proporcionalmente pelo menos dez vezes mais alunos aptos para as áreas de exatas e tecnológicas. Mesmo com uma população bem menor, a Coreia pode formar muito mais engenheiros do que nós. 
A política educacional dos últimos 20 anos tem sido colocar os alunos na escola, uma etapa importante. Hoje, o desafio é melhorar, e muito, a qualidade do ensino fundamental. No momento em que se discute um novo Plano Nacional de Educação, deveríamos propor ações concretas para atacar a raiz do problema. 
* FERNANDO PAIXÃO, 63 físico, é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp 
MARCELO KNOBEL, 44, físico, é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin e pró-reitor de graduação da Unicamp

6 comentários:

  1. Belo artigo, Drummond! Mas creio que soluções para o aproveitamento correto do engenheiro e da engenharia passa, fundamentalmente, pelo nível dos cursos, tanto nas primeiras fases quanto nas universidades. Sabemos bem que todos esses, que no passado recente eram razoáveis, hoje são bem ruinzinhos e jogam no mercado profissionais de baixa capacidade. Outro aspecto, no Brasil, é que as políticas e o "planejamento" de obras ditas e esperáveis "sustentáveis", seja de infra, seja de desenvolvimento integrado, e outras... são feitas por políticos despreparados e mal intencionados .... Daí que os poucos engenheiros capacitados e disponíveis são "obrigados" a cumprir certos rituais, os quais não tiveram acesso nas fases preliminares de planejamento e, cujos resultados são, ou irão ser, questionáveis tecnicamente, e em assertividade e inclusão.
    Um abraço!

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    1. Luiz Cláudio e Rodrigo,

      Ambos estão corretos nas observações e enriquecem a linha de argumentação que defendo no post. Luiz Cláudio centra seu foco na base, na universidade e suas consequências para as técnicas e o estado da arte na engenharia. Rodrigo aponta sua experiência pessoal, de certa forma concordando comigo, mas apontando uma realidade existente na administração pública que é a deformidade na valorização entre profissionais de engenharia e outras ciências. Ambos corretíssimos. E devem existir outras abordagens sobre essa distorção que, segundo especialistas em desenvolvimento, vai fazer o Brasil pagar um preço alto pela falta de políticas corretivas. Grato pelas visitas e comentários.

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  2. É pai, em 1995 quando escolhi o curso de engenharia não imaginei que em 2013 estaria tão afastado dela. Na verdade, eu e meus colegas de turma, em um total de 50, com engenharia mesmo, conto nos dedos quem trabalha. As desculpas são muitas, mas enquanto um Auditor do TCU ganhar R$ 16.000,00 e um Engenheiro do DNIT ganhar R$ 5.000,00, teremos mais auditores para menos engenheiros. O próprio governo valoriza mais suas áreas burocráticas do que suas áreas de execução. É como você diz, todo mundo sabe que está faltando Engenheiro, até o Lula sabe e olha que ele não sabe muita coisa, mas daí a iniciarem uma ação real para reverter isso. Não me lembro onde li a notícia que na Coréia do Sul, país das marcas SAMSUNG e LG, formam-se mais engenheiro do que em todo o Brasil, será? Se for estamos muito ruins mesmo.

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    1. Luiz Cláudio e Rodrigo,

      Ambos estão corretos nas observações e enriquecem a linha de argumentação que defendo no post. Luiz Cláudio centra seu foco na base, na universidade e suas consequências para as técnicas e o estado da arte na engenharia. Rodrigo aponta sua experiência pessoal, de certa forma concordando comigo, mas apontando uma realidade existente na administração pública que é a deformidade na valorização entre profissionais de engenharia e outras ciências. Ambos corretíssimos. E devem existir outras abordagens sobre essa distorção que, segundo especialistas em desenvolvimento, vai fazer o Brasil pagar um preço alto pela falta de políticas corretivas. Grato pelas visitas e comentários.

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  3. O pior de tudo é que quando o passarinho sobrevive a tantas vicissitudes, ele pousa na arena dos leões. O que acontece no Brasil não é normal. A técnica só aceita contraponto de outra técnica. A argumentação técnica só pode sucumbir se outra for superior, melhor ou mais aplicável. Mas aqui em Pindorama ela se verga ao peso do argumento “político”. O tal do viés “político” das coisas reina amparado por uma estrutura social tacanha, mesquinha, injusta e principalmente, aética. Fico pensando qual seria a reação das pessoas se um atendimento médico emergencial, com um filho na mesa de operações, fossem tomadas decisões alinhadas com esse “valor”. Assim, nascido nestas condições e vivendo na corda bamba, mesmo as tartarugas marinhas, que de cada mil nascidas uma chega à fase adulta, tem mais chances que os engenheiros de sobreviver neste mundo doido de meu Deus....
    SDS

    JB

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    1. Caro JB, saudades da tua participação nesse humilde blog. Sempre que apareces é para dar um brilho especial na Oficina de Gerência. Tudo que disseste acima está correto. Imagino que também sejas engenheiro. Se não o fores, pelo menos tens a alma de um.
      Na minha carreira como engenheiro e posteriormente executivo da Administração Pública passei por muitas situações nas quais foi o viés político que predominou. Algumas vezes era tão absurdo que os técnicos tinham que se desgastar ao extremo para não deixar que "obras políticas" (no mais das vezes absolutamente inviáveis) tivessem licitações aprovadas e obras e projetos contratados. Até hoje é assim... Uma luta permanente entre o universo técnico e político.
      Grande parte da responsabilidade por processo surreal recai sobre as empresas de consultoria de projetos. Algumas delas – desejosas de “agradar o rei” - não guardam o mínimo de recato técnico e “viabilizam” obras por meio de projetos irresponsáveis e normalmente muitos caros. Isso acontece a toda hora. As empresas de construção também não ficam atrás. Entram em licitações sabendo que a obra é inviável, mas mesmo assim ofertam propostas de preços e assinam contratos. O futuro de uma obra dessas nem precisa dizer qual será.
      Infelizmente meu caro JB, depois de quatro décadas de trabalho nessa área, sou forçado a dizer que é algo sem solução porquanto qualquer medida de correção vai confrontar tantos interesses que (quase) ninguém tem coragem de enfrentar a insensatez dos "mandantes".
      Os bons administradores do serviço público existem - sejam eles engenheiros ou não - mas arriscam-se a perder o emprego e entrar na “lista negra” dos partidos políticos encerrando suas carreiras quando não aceitam as imposições de tocar adiante projetos e obras inviáveis. É fato! Já vi isso acontecer muitas vezes. Comigo mesmo em duas oportunidades, mas isso é outra história ou outro post. Um abraço e não esqueças de nós.

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Convido você, caro leitor, a se manifestar sobre os assuntos postados na Oficina de Gerência. Sua participação me incentiva e provoca. Obrigado.