Um (quase) desconhecido do grande público leitor e dos estudantes brasileiros este notável pensador francês ficou célebre havendo escrito um só livro: Les Caracteres ou Les moeurs de ce siècle (1688) . É uma obra composta por um conjunto de peças literárias curtas e constitui uma crônica fundamental do espírito do século XVII.
Dela, consegui encontrar um extrato na internet com o que se denominou "As Máximas de La Bruyère". É um conjunto maravilhoso de frases e pensamentos absolutamente atuais - embora escritas em 1688 - que nos remete ao centro daquela era e nos revela o espírito crítico, mordaz e revoltado de La Bruyère com as afrontas, ultrajes e aviltamentos que os nobres da sua época impunham ao povo humilde.
São jóias do pensamento humano que não posso deixar de compartilhá-las com os leitores do blog na esperança de que se interessem e desfrutem da inteligência deste homem que, infelizmente, não é divulgado no Brasil. Basta dizer que na Wikipédia (em português) o seu verbete não tem nenhum registro; tive que buscá-lo em espanhol.
Leiam algumas destas "máximas" e vejam se não tenho razão.
Vida quase sem história é a de Jean de La Bruyère. Tendo nascido em Paris, em 1645, estudou Direito, exerceu a advocacia, comprando depois um cargo de tesoureiro geral no "bureau das finanças" de Caen, continuando apesar disso a residir em Paris, onde levava uma vida de recolhimento, toda votada ao estudo. Segundo o seu contemporâneo Vigneul-Marville, morava num quarto muito alto "proche du ciel", dividido em dois por um tapete. Em 1684, escolhido
para preceptor do neto do Grande Condé, transfere-se para o castelo de Chantilly, onde pôde apreciar de perto a sociedade, cuja crítica iria fazer nos Caractères. A primeira edição dessa obra apareceu em 1688. Outras se sucederam até 1690, sempre com acréscimos, a guisa de publicação periódica. O verdadeiro título do livro na versão primitiva era Les Caractères de Theophraste, traduits du grec, avec les caractères et les moeurs de ee siècle.
Em 1693, La Bruyère entrava para a Academia Francesa, pronunciando um discurso em que fazia louvores a Racine, irritando os admiradores fanáticos de Corneille. La Bruyère respondeu, depois, a estes. Estava escrevendo um Dialogues sur le quietisme e se aplicava em preparar uma nova edição dos Caractères, quando morreu de um ataque de apoplexia, em 1696.
lhes admirar os gestos, os retratos, o som de voz e as maneiras tão geral, que,
se eles pensassem em ser bons, essa admiração chegaria à idolatria.
A vantagem dos grandes sobre os outros homens é imensa, em certo ponto;
dou-lhes de barato as boas comidas, as ricas mobílias, os cães, os cavalos, os
macacos, os anões, os jograis e os lisonjeadores; mas invejo-lhes a felicidade
de terem a seu serviço pessoas que os igualam pelo coração e pelo espírito e
que, às vezes, até os excedem.
fizeram construir longas muralhas de arrimo de terras, pintar a ouro os tectos
do palácio, mandaram vir de longe água potável ou prepararam uma estufa
para laranjeiras; mas nunca porque tenham dado algum contentamento a um
coração humano, enchido uma alma de alegria, procurado prevenir ou remediar
as extremas necessidades dos pobres, porque até aí não vai a sua curiosidade de espírito.
dispensa-os tão fàcilmente de manterem as belas promessas que fazem, que é
maravilha de sua modéstia que não façam ainda mais promessas para não as
cumprirem.
merecimento, tem espírito, boas maneiras, exatidão no seu serviço, fidelidade
e afeição a seu amo, e é mediocremente recompensado; não agrada, não é
apreciado. Mas explicai-vos, neste ponto: para quem vai, afinal, a vossa
condenação: para Philante, ou para o grande a quem ele serve?
°É muitas vezes melhor abandonar os grandes do que teimar em queixar-se
deles.
colocados acima de nós, é o que basta para despertar a nossa antipatia; mas
também basta que eles nos sorriam ou nos dirijam um cumprimento para logo
nos reconciliarmos com eles.
°Quando comparo as duas condições de homens mais opostas, isto é, a dos
grandes e a do povo, este parece-me que se contenta com o necessário,
enquanto os outros continuam inquietos, e julgando-se pobres, mesmo com o
supérfluo. Um homem do povo não poderia pensar em fazer qualquer mal; um
grande, pelo contrário, não pensa em fazer bem nenhum e é capaz de fazer
grandes males; um forma-se e exercita-se, somente, em coisas úteis; o outro
junta a estas também coisas perniciosas. Num caso, mostram-se
ingènuamente a grosseria e a franqueza; no outro, oculta-se uma seiva maligna
e corrompida, sob uma camada exterior de polidez; o povo não terá um fino
espírito, mas os grandes não têm alma: aquele tem bom fundo é não tem boa
aparência; os grandes não têm senão aparência e esta é somente superficial.
Sendo preciso optar, não hesitarei, por minha parte: quero ser povo.
°Há homens que por nascimento já são inacessíveis, e justamente para
aqueles que deles dependem e deles precisam: nunca ficam parados para
atenderem às necessidades de ninguém; móveis como o mercúrio, fazem
piruetas, gesticulam, gritam, agitam-se; semelhantes a essas figuras de cartão
que servem nas festas públicas, lançam fogo e chama, trovejam e fulminam,
ninguém se aproxima deles, até que, finalmente, se extinguem e caem, e por
sua queda tornam-se tratáveis, mas, já então, inúteis.
°Se é perigoso meter a mão num negócio suspeito, mais o é ainda fazer-se
cúmplice de um poderoso, em negócio dessa espécie; ele escapa-se, no bom
momento, e deixa-vos ficar responsável, duplamente, por vós e por ele.
°Quem diz povo, diz muitas coisas: é esta uma expressão muito vasta, e fará
espanto ver o muito que ela abrange e até onde se estende o seu significado:
há o povo que é o oposto dos grandes, e que é a populaça e a multidão; e há
também o povo que é o oposto dos sábios, dos capazes e dos virtuosos, e,
neste caso, tanto são povo os grandes como os pequenos.
Clique aqui para conhecer o arquivo, em PDF, de onde foram retiradas estas frases. Recomendo salvá-las para o computador e ler (e reler) todas as 15 páginas do exemplar. Não se arrependerá.
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