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Trecho extraído do livro: "A origem dos meus sonhos" de Roberto Shinyashiki (Editora Gente). “Levantei-me do sofá e abri a porta da frente; a fumaça acumulada me carregou para fora como um espírito. No alto, a lua havia desaparecido, restando só o seu brilho ainda visível por entre as nuvens altas. O céu começava a clarear; o ar recendia a orvalho. Para esse mundo branco, estaria disposto a ceder os valores de minha infância, como se esses valores estivessem de alguma maneira irreversivelmente corrompidos pelas falsidades sem fim que o branco dizia sobre o negro. E agora eu ouvia a mesma coisa das pessoas negras que eu respeitava, pessoas que tinham mais desculpas para a sua amargura do que eu poderia jamais reivindicar para mim. Quem lhe disse que ser honesto era uma coisa branca?, perguntaram-me eles. Quem lhe vendeu essa idéia, de que sua situação o isentava de ser respeitoso ou determinado ou educado, ou essa moralidade tinha uma cor? Você perdeu o seu rumo, irmão. Suas idéias sobre si mesmo — sobre quem você é e quem você poderia se tornar — mostraram-se acanhadas, estreitas, pequenas. Eu me sentei na soleira da porta e esfreguei a nuca. Como isso havia acontecido?, começava a me perguntar, mas mesmo antes que a pergunta pudesse se formar em minha mente, eu já sabia a resposta. Medo. O mesmo medo que havia me levado a empurrar Coretta na escola. O mesmo medo que havia me levado a ridicularizar Tim perante Marcus e Reggie. O medo constante e paralisante de que eu não era adequado de alguma maneira, que a menos que eu me escondesse e fingisse ser alguma coisa que eu não era, para sempre eu permaneceria um estranho, sempre sujeito ao julgamento do resto do mundo, negro e branco. Assim, Regina tinha razão; tudo era sobre mim. Meu medo. Minhas necessidades. E agora? Eu imaginava a avó de Regina em algum lugar, suas costas encurvadas, a carne dos seus braços tremendo enquanto esfregava um chão sem fim. Lentamente, a velha senhora erguia a cabeça para olhar diretamente para mim, e em seu rosto flácido vi que o que nos unia ia além da raiva, do desespero ou da piedade. O que ela esperava de mim, então? Determinação, principalmente. A determinação para fazer recuar qualquer poder que a mantivesse curvada em vez de erguida e ereta. A determinação para resistir às facilidades ou às ondescendências. Do contrário, você poderia ser trancado em um mundo que não fosse o seu próprio, os olhos dela me disseram, mas você ainda teria a consciência de como ele é construído. Você ainda teria responsabilidades. O rosto da velha senhora se dissolveu em minha mente, mas foi substituído por vários outros. O rosto cor de cobre da empregada mexicana, revelando cansaço enquanto ela carregava o lixo para fora. O rosto da mãe de Lolo, abatido pelo sofrimento enquanto ela assistia aos holandeses queimarem sua casa. O rosto de lábios apertados e pele cor de giz de Toot enquanto ela embarcava no ônibus das 6h30 da manhã que a levava para o trabalho. Só a falta de imaginação, ou um colapso nervoso, fez-me pensar que eu tinha de escolher entre esses rostos. Todos eles esperavam a mesma coisa de mim, eram minhas avós. Minha identidade poderia começar com a realidade da minha raça, mas não deveria, não poderia terminar ali. Pelo menos nisso é que eu preferiria acreditar.” |
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