Quando não há mais energia para uma virada, a agressão psicológica se torna mais direta: broncas na frente de outros funcionários ou de clientes, falta de paciência para perguntas do profissional e avaliações desumanas do trabalho da vítima, normalmente sem base na realidade. “O mais terrível é que essa violência se desenrola sorrateiramente, silenciosamente. Por não encontrar apoio junto aos colegas nem na direção da empresa e por medo de perder o emprego, a vítima dificilmente consegue escapar da situação à qual foi condenada”, diz a juíza baiana Márcia Novaes Guedes, autora do livro Terror Psicológico no Trabalho e que defendeu tese de doutorado sobre o tema no ano passado pela Universidade de Roma.
O psicólogo gaúcho e ex-vendedor Auvrahy Barão, de 30 anos, afirma que os cinco anos que trabalhou para uma multinacional de consumo foram os piores de sua vida. Ele conta que tinha de bater metas de vendas todos os dias. Quando isso não acontecia, os vendedores eram obrigados a entrar em um caixão (isso mesmo) e permanecer alguns instantes dentro dele, enquanto colegas lhes dirigiam ofensas e tiravam fotos. Teve de tirar fotos de calça arriada e com vestidos de mulher. As imagens eram enviadas pela internet para seus colegas de departamento. “Agüentei porque tinha medo de ficar desempregado”, diz Barão. “Mas não há dinheiro que compre a dignidade”. Ele entrou com uma ação contra a empresa e aguarda julgamento.
Um dos aspectos do assédio moral é a necessidade de uma das partes de desequilibrar a relação, atacando pessoas com baixa auto-estima, muito mais suscetíveis às críticas. A partir dos anos 60, a psicologia intensificou os estudos sobre o tema. Todos têm auto-estima naturalmente, assim como o instinto de sobrevivência. Ao longo da infância, na relação com o outro, em especial com os pais, a auto-estima é reforçada – ou reduzida. Uma pessoa com baixa auto-estima pode se tornar vítima – e também autor – de assédio. É o que afirma a médica Margarida Barreto. “Muitos superiores agressivos querem apenas confirmar sua autoridade e se sentir seguros em seus cargos. É uma forma de aumentar o poder”.
O conto de fadas da Cinderela é uma história clássica de assédio moral. A madrasta, insegura por causa da beleza e do carisma da enteada, a subjuga, forçando-a a dormir no sótão e andar maltrapilha. “Seria um caso típico de violência psicológica na esfera doméstica”, diz a psicóloga Leila Cury Tardivo, professora do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. No conto, Cinderela rompe esse ciclo com a ajuda da fada madrinha. No mundo real, porém, buscar apoio psicológico e lutar pelos próprios direitos na Justiça são duas alternativas comuns.
As conseqüências do assédio muitas vezes são rapidamente sentidas no corpo. Segundo levantamento da médica Margarida Barreto em seu consultório e junto a sindicatos, os primeiros sintomas são dores generalizadas no corpo, seguidas de distúrbios do sono, palpitações e tremores. Depois vêm diminuição na libido, distúrbios digestivos e a depressão. “Uma parcela bastante razoável das vítimas pensa em suicídio, em especial os homens, mais afetados pelas humilhações sofridas no trabalho”, diz a médica. De acordo com o terapeuta Goldkorn, a sensação de impotência e a deterioração da auto-imagem podem levar a doenças de pele, problemas gastrointestinais, renais e hormonais. Segundo ele, mais de 60% das doenças conhecidas são criadas pelo estresse resultante do assédio moral. “É um massacre silencioso que não dá manchete de jornal”, afirma. No Brasil, a Resolução 1.488/98 do Conselho Federal de de Medicina recomenda que o médico do trabalho faça uma relação direta entre o transtorno da saúde físico-mental e a atividade do trabalhador para que possa ser caracterizado o assédio.
Ex-funcionária de uma companhia telefônica, a paulista Luciana Cury, de 47 anos, ainda se lembra do pesar com que levantava toda manhã para ir ao trabalho. “Às vezes, deprimida, eu achava que seria melhor morrer”, diz. Em meados de 2002, depois de mais de 15 anos no emprego, afastou-se por cinco meses do cargo de secretária-executiva, devido a uma LER, lesão por esforço repetitivo. Na volta, percebeu que alguma coisa havia mudado. “Tudo começou com pequenas piadas. Diziam que o que eu tinha era ‘LERdeza’. Quando levas de demissões começaram a ocorrer, diziam que eu mantinha a doença para me segurar no emprego”, afirma. No começo, ela tentou se impor. Aos poucos, porém, diz ter sido isolada. Os chefes a afastaram de suas funções de secretária e a incumbiram de serviços administrativos, como carimbar documentos, entregar vales-refeição e fazer notas. “Eu chorava no banheiro o dia todo. As pessoas fingiam não me ver. Eu era invisível. Pensava o tempo todo: o que há de errado comigo? Os poucos colegas que me dirigiam a palavra diziam que eu era amarga e pessimista, e eu acreditava”.
Luciana não queria largar o emprego. Já havia passado dos 40 anos e temia não conseguir reingressar no mercado – ainda mais com os problemas de saúde. O estresse e a insistência em não faltar ao trabalho agravaram sua LER, e a secretária acabou se aposentando por invalidez. Atualmente, está na Justiça pedindo indenização por assédio moral. Espera receber entre R$ 20 mil e R$ 50 mil.
Hoje, Luciana afirma conseguir enxergar que era perseguida. No olho do furacão, porém, ela, como muitos, não entendia o que estava acontecendo. “É comum a culpa permanecer com a vítima por muito tempo, mesmo que ela esteja na Justiça por uma indenização”, diz Margarida Barreto. Luciana só mudou de atitude quando conheceu, por meio de um tratamento de grupo, pessoas que também tinham sido vítimas de assédio. “Ver que eu não estava sozinha me ajudou bastante”.
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